domingo, outubro 23, 2011

O racismo nosso de cada dia



Bom dia a todos!

    Há coisas na vida sobre as quais odiamos falar.Uma delas chama-se racismo! No Brasil, o racismo é crime inafiançável,mas nunca vi ninguém mofar na cadeia por ter chamado um negro de "macaco",por exemplo.
    O racismo por aqui é hipócrita e velado e,em geral,as pessoas sempre dizem não serem racistas;porém,deixam,no dia a dia, escapar expressões bastante populares,do tipo "fulano tem cabelo ruim".Sinceramente,eu acho essa frase extremamente racista,ainda mais porque,durante 27 anos,convivi com ela no seio da minha família.Mas isso é papo,talvez,para outro texto.
    Essa semana aconteceu algo que mexeu demais comigo e tem a ver com o que comecei a falar acima.Venho aqui contar a todos vocês.
    Um dos meus alunos da Escola Estadual,(loiro e de olhos verdes,importante destacar aqui), me pediu para que eu o tratasse diferentemente dos demais alunos da escola somente por ele ter essas características físicas destacadas,sendo que a grande maioria dos alunos dessa escola são negros(incluindo o diretor) e mestiços. Particularmente,achei aquilo um tremendo absurdo e logo tomei uma atitude em relação a esse aluno,encaminhando-o à direção. Voltei pra casa pensando em como uma pessoa tão jovem pudesse ser tão racista. Mas aí,a ficha caiu: ELE APENAS REPRODUZIU O QUE ELE VÊ NO COTIDIANO DELE! Poxa vida,todos os dias negros são parados nas ruas por policiais,sem motivo algum,apenas por serem negros.Inclusive a atriz e cantora Thalma de Freitas foi vítima disso semana passada,ao ser parada sem nenhum motivo aparente próximo ao Morro do Vidigal,Zona Sul do Rio de Janeiro.


                                          Thalma de Freitas canta durante show em Recife (08/03/2011)
                                                            Atriz e cantora Thalma de Freitas



           Enquanto isso,brancos,vestidos de terno,muito bem arrumados,passam por você diariamente,pelas ruas. Quem garantirá que eles não são criminosos? Um simples terno????
           E muitos,"brancos e bem vestidos",roubam bancos,os cofres públicos,estupram,matam... O crime tem cor????

           Mas...voltando à minha escola....

           ...esse mesmo aluno mencionado no começo do texto também disse ser mais inteligente que os demais alunos.Eu perguntei porque e ele,tranquilamente,disse que é por ele ser branco e os outros,negros.Preciso informar mais uma coisa sobre esse jovem: ELE,APESAR DE ALGUNS DOS MEUS COLEGAS O ACHAREM "LINDINHO",POR SER LOIRINHO E DE OLHINHOS VERDINHOS,É UM CARA DE PÉSSIMO COMPORTAMENTO:atrapalha a aula,os colegas,não quer fazer nenhum exercício em sala,alegando "SER MUITO FÁCIL A MATÉRIA". Ele acha que pode tudo somente por ser branco,que está acima,que é melhor,e,infelizmente,alguns dos meus colegas reforçam esse pensamento dele!

          Sendo eu professora regente de Língua Inglesa nessa escola,resolvi promover um seminário juntamente com os alunos sobre O Dia da Consciência Negra,dando enfoque às grandes personalidades negras dos países de língua inglesa,tais como Stevie Wonder, Malcom X,Martin Luther King Jr., Nelson Mandela, Bob Marley, entre outros,enquanto os colegas professores de Língua Portuguesa darão enfoque às personalidades negras do Brasil,como os grandes Machado de Assis,Cruz e Sousa, Lima Barreto,Abdias do Nascimento,entre outros. Espero que os alunos reflitam sobre as vidas dessas pessoas tão importantes na história de seus respectivos países e na história do mundo e aprendam com elas.Também espero não perceber mais que alguns dos meus colegas estão "protegendo" determinados alunos somente por eles serem brancos!
 
           Não quero compactuar com a perpetuação do racismo na minha escola!

           Haverá continuação desse texto!



              Gabriela Barbosa





    

7 comentários:

Florzinha disse...

Nossa! Isso é mesmo um furúnculo na nossa sociedade que incomoda muito. E o certo é que incomode e doa pra ver se alguma coisa se faz a respeito.

Esse lance do "cabelo ruim" me faz lembrar da expressão inglesa "fair skin" (pele branca), ou seja, se vc não tem pele branca é unfair ( http://www.ldoceonline.com/dictionary/unfair )!!! Uma vez li um artigo na faculdade que falava sobre o preconceito na língua, falava de como a gente tem expressões em português mesmo que ligam a cor preta e variantes a coisas negativas (a fome é negra, a situação está preta, etc). E nós usamos essas expressões que estão tão arraigadas no nosso cotidiano que não percebemos como elas são preconceituosas, e como elas reforçam estereótipos tão presentes. Não falo só do rótulo do negro, tem também o português, que é sempre burro ("que ideia de português!"), assim como a loira -- quem não lembra da música do Gabriel, o Pensador, "Loira Burra"? --, o judeu, que é sempre pão-duro, e por aí vai. Nós temos esse hábito feio de colocar um rótulo em todo mundo e começa quando nascemos, quando ainda nem podemos dizer que identidade temos, como nos reconhecemos, vem o cara do cartório, olha pra cara do declarante do nascimento e escreve uma cor que ele acha que a gente tem no único documento de identidade que vamos por muitos anos.
Na minha certidão, diz que sou branca, mas a julgar pelos meus ancestrais que eu conheci (um bisavô índio, duas bisavós mulatas, duas duas bisavós brancas, três bisavôs brancos) eu sou bem misturadinha... Meu irmão, que é filho do mesmo pai e da mesma mãe que eu, é totalmente diferente de mim, tem o cabelo cacheado, a pele bem mais escura que a minha e o nariz largo, mesmo assim, quando ele se alistou colocaram no cadastro que ele é branco (pq na certidão de nascimento dele tem um risco no lugar da cor). Disso eu concluo que somos todos rotulados desde nossos primeiros dias de vida, temos que conviver com essa questão da nossa cor.

Não sei, mas acho que se é uma diferenciação que não deveria existir, carregá-la conosco no papel que diz quem somos desde que nascemos não ajuda muito.

De qualquer forma, nada justifica o pensamento do seu aluno (obviamente reproduzido) nem o que fizeram à Thalma de Freitas (já vi isso acontecer com um colega meu, ridículo!), mas isso não vai mudar enquanto continuarmos rindo e repassando piadas racistas, mesmo em nome da liberdade de expressão (tá na moda falar disso, né?!). Acho um dos melhores ditados é "o seu direito acaba onde começa o do outro". E se o outro tem o direito a respeito e dignidade, ninguém pode ferir isso.

Rennan Rebello disse...

Repassei este texto aos meus colegas de UERJ que são de grupos de pesquisa sobre a cultura negra.

Se quiser, troque ideias com eles.

Quanto ao seu texto, o problema não é o guri e sim da onde ele convive. Está na raíz...

Quantos anos este puto têm?

E preconceito infelizmente sempre e para sempre irá existir na época do Brasil Colônia e Império os portugueses tiveram vários filhos com escravas mas poucos foram assumidos, eles adoravam transar com negras mas assumir, uma? Nem pensar! Isso ocorria entre mulheres brancas e negros também e até hoje isso acontece ao nosso redor de forma claro e nem sempre "velado".

Mas não é por isso que não deva ser combatido. Ao meu ver a melhor maneira de combater é seguir em frente com ironia, deboche, sucesso profissional, está bem consigo mesmo e etc. Pois além da essência o que vale nessa merda, é a aparência...

Porém sou adepto a denúncia e etc. Mas enfim, neste caso por exemplo uma denúnciazinha iria cair bem, filmar o que ele diz e etc. Ele precisa tomar uma lição daquelas... mas por outro lado precisa alguém precisa dialogar com este aluno.

Enfim, deixo aqui uma música da Plebe Rude...

http://www.youtube.com/watch?v=6JqKY9rWTBA

Bárbara disse...

Assista (se ainda não assistiu) o vídeo documentário De Olhos Azuis - Blue Eyed - http://www.youtube.com/watch?v=wiTDAUWmYa4

Ele está em partes no you tube, mas dá para ver. Depois que você assistir o vídeo você poderia dar para esse seu aluno, o mesmo "tratamento diferenciado" que a Jane Elliott deu para os que tem olhos azuis.

(Veja o filme depois você entenderá a recomendação).

abs,

Unknown disse...

Cara Gabriela conheci seu blog por intermédio do companheiro Tejo e gostei particularmente do texto mais recente relativo a questão do racismo. Tomei a liberdade de reproduzir com os devidos créditos em http://www.escoladoscommuns.org/?p=828 espero que isso não represente um problema. Vamos manter contato!

Profº João Carlos disse...

Houve avanço em nossa sociedade nos últimos anos, mas há muito que melhorar.O assunto em questão é muito importante para se discutir em várias formas de mídia, até porque a pessoa ofendida é uma artista de TV, ou seja, pessoa que vende notícia. Quanto ao seminário de Consciência Negra em nossa escola, adorei a idéia, só demonstra a grandeza e a capacidade de uma excelente professora que você é. Parabéns pela iniciativa e conte comigo.

Profª Dra. Daniela Mendes disse...

Vale a reflexão!

Leandro Nascimento disse...

Ótimo texto, Gabriela. Também lido cotidianamente com o racismo. Não apenas por ser negro, mas pelo simnples fato de ser brasileiro e não ter sangue de barata. Situações como a vivenciada pela artista Thalma de Freitas - ótima, diga-se - são bem mais comuns do que se pensa. Como professor da rede pública do ensino, observo esse comportamento discriminatório nos meus alunos, em geral meninos e meninas entre 12 e 15 anos. Como você, procuro abordar esse tema sempre que possível. No final do ano passado, promovemos na escola uma feira da diversidade. Nas minhas turmas, atrelei a questão do bullying, tão em voga, ao racismo. Fizemos pesquisas, vimos filme e montamos uma exposição. O resultado foi muito positivo. Sinto mesmo que as coisas já estão mudando.
É curioso, mas, pela minha experiência, posso dizer que percebo um preconceito maior nas áreas mais periféricas - São Gonçalo, por exemplo - que no próprio município do Rio. Digo isso pelo texto sobre o subúrbio do Rio. Além do churrasco na laje e dos terríveis e constantes engarrafamentos, ainda convivemos com essa lamentável postura de autodepreciação.
O processo é lento, mas melhorar é possível. Como cidadãos conscientes e educadores não podemos desistir.